Explora esta animação elaborada pela prof. Cristina Costa.
O QUE ME LEVOU A ESCREVER «ULISSES»
Começo por dizer que todas as histórias têm um princípio, todos os livros uma razão de ser, enfim, não me parece que nada aconteça inteiramente por acaso quando várias circunstâncias concorrem para o seu acontecer.
Assim à distância, posso garantir-vos que foi o Ulisses quem me salvou de uma aflição muito
grande! Mas eu conto:
Em 1971, era eu professora de Língua Portuguesa e História
na Escola Preparatória Pedro de Santarém, em Lisboa, quando fui confrontada com
o horário que me foi atribuído: sem ter turmas definidas às quais deveria dar
aulas, como normalmente, a minha tarefa era substituir os professores que
faltassem nesta ou naquela turma, a fim de assegurar a permanência dos alunos
dentro das respetivas salas de aula e, assim, evitar uma certa barafunda pelos
corredores e pátios ...
Digam-me só: já imaginaram o que é, para os alunos de uma
turma, faltar o professor que lhes ia dar uma determinada disciplina, e quando
se preparavam para aproveitar o inesperado «furo» a jogar uma partidinha de
futebol, ou noutro divertimento qualquer até tocar para a entrada na aula
seguinte, lhes aparecer à frente uma professora que nem sequer conhecem porque
não é professora deles, a dizer: - «Ora vamos lá a ficar aqui todos dentro da
sala, que sou eu agora quem vos vem dar aula?»
Calculo a desilusão que deve ser.
Pois foi precisamente isto que me aconteceu. Faltou um
professor de Matemática e lá fui chamada para «entreter» a turma! Quando lhes
apareci à frente, nem queriam acreditar que eram obrigados a conservarem-se
dentro da sala, quando lhes surgia inesperadamente uma oportunidade tão boa de
se escaparem para os campos de jogos ...
Como não era professora de Matemática, não lhes podia
ensinar Matemática, e a hora passou-se lentamente, conversinha para cá,
conversinha para lá, à espera que o
toque da campainha anunciasse o fim daquele «sofrimento» mútuo!
Jurei a mim própria que tinha sido a primeira e a última vez que tal coisa me acontecia.
Quando, logo na hora seguinte, me vieram chamar à sala de professores para ir substituir a professora de Francês de
uma turma qualquer, foi com passo firme que me dirigi à referida turma e anunciei, em voz bem alta, perante o espanto
geral:
- «Tudo sentado, que eu vou contar-lhes uma história: uma
história muito bonita que eu sei, e que, tenho a certeza que vocês vão adorar,
porque está cheia de aventuras, de coisas estranhas, de medos e mistérios:
É a
história de Ulisses!»
Foi um momento mágico. Em menos tempo do que leva a contar,
fecharam as pastas e mochilas e sentaram-se, ansiosos, de grandes olhos abertos
à espera da história que lhes prometera; na sala, um silêncio grande, uma
expectativa enorme. Era tudo o que eu mais queria: aquele era o meu público
predileto. E comecei a contar a
história de «Ulisses», ora com voz baixinha e misteriosa, ora fazendo realçar
os pontos fortes que sentia serem de realçar. O meu amor pelo teatro estava
todo ali e, como sabia a história de cor e salteado, não me custou nada
transmiti-la. O certo é que, quando tocou a campainha para a saída, ninguém
queria ir embora e só me pediam para acabar a história ... Como não era
possível, prometi:
«Continuo esta história
quando vos faltar outro professor!
Ora o que é que aconteceu?
Aí a meio do ano letivo, era rara a turma de toda a escola que não tivesse
estado comigo e com a história de «Ulisses»: E como queriam ouvir a história
até ao fim, passavam a vida a pedir aos professores para faltarem ...
Na sala de professores, isto era, também entre nós, motivo de conversa
e de brincadeira.
Ou seja: O Ulisses passou a ser o herói da escola.
Do contar para o escrever,
foi só um pulinho: escrevi-a tal e qual como a contei a
centenas de alunos. Por isso, ela surge com tanta oralidade, tanto «teatro»,
tanto entusiasmo.
Maria Alberta Menéres in, manual Viver e Aprender
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