Era uma vez um ponto final desempregado. Tinha caído de um ponto de exclamação, o pobrezinho. A linha em que ele estava, partira-se ao meio, num daqueles desastres que acontecem às folhas dos jornais, quando vão para o lixo. Traço para um lado, ponto para o outro... Ele, o ponto, ainda ensaiou um ai, mas foi um ai que lhe deu, muito débil, sem a intensidade retumbante de um autêntico ponto de exclamação!
Que fazer? Tentou
encostar-se a umas reticências, mas elas mandaram-no logo embora, com maus
modos:
-Nós três chegamos. Não queremos penduras...
Pronto. Ponto final parágrafo.
Perguntou então a um i se precisava de ajuda. Logo calhou
com um i acentuadíssimo. Um i muito importante. O i de príncipe,
estão a ver a responsabilidade.
-Quem me quer? – dizia o ponto, ao lado de um ponto de
interrogação.
-Estou servido
– respondeu o ponto de interrogação, o que não é costume, porque, como se sabe,
os pontos de interrogação só perguntam.
O ponto desafortunado foi ter com uma vírgula.
-Chego bem sozinha – disse ela. – a pausa que eu faço não justifica
um ponto e vírgula.
Que azar.
-Ando perdido. Ninguém me quer – choramingou o ponto, à minha
beira.
Condoí-me. Sou
muito sensível, em casos destes. Por isso escrevi esta história.
Acrescentei-lhe mais umas tantas e juntei-as num livro. Tudo de enfiada.
E
para dar ao tal ponto a sua grande oportunidade, empreguei-o aqui. No fim. Ponto final.
António Torrado,
Da Rua do Contador
para a Rua do Ouvidor
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